terça-feira, 26 de abril de 2011

Pechada!!!


Edição Especial | Agosto 2004

Pechada

Luis Fernando Veríssimo (novaescola@atleitor.com.br)
  
Ilustração: Santiago
O apelido foi instantâneo. No primeiro dia de aula, o aluno novo já estava sendo chamado de “Gaúcho”. Porque era gaúcho. Recém-chegado do Rio Grande do Sul, com um sotaque carregado. 

— Aí, Gaúcho! 

— Fala, Gaúcho! 

Perguntaram para a professora por que o Gaúcho falava diferente. A professora explicou que cada região tinha seu idioma, mas que as diferenças não eram tão grandes assim. Afinal, todos falavam português. Variava a pronúncia, mas a língua era uma só. E os alunos não achavam formidável que num país do tamanho do Brasil todos falassem a mesma língua, só com pequenas variações? 

— Mas o Gaúcho fala “tu”! — disse o gordo Jorge, que era quem mais implicava com o novato. 

— E fala certo — disse a professora. — Pode-se dizer “tu” e pode-se dizer “você”. Os dois estão certos. Os dois são português. 

O gordo Jorge fez cara de quem não se entregara. 

Um dia o Gaúcho chegou tarde na aula e explicou para a professora o que acontecera. 

— O pai atravessou a sinaleira e pechou. 

— O que? 

— O pai. Atravessou a sinaleira e pechou. 

A professora sorriu. Depois achou que não era caso para sorrir. Afinal, o pai do menino atravessara uma sinaleira e pechara. Podia estar, naquele momento, em algum hospital. Gravemente pechado. Com pedaços de sinaleira sendo retirados do seu corpo. 

— O que foi que ele disse, tia? — quis saber o gordo Jorge. 

— Que o pai dele atravessou uma sinaleira e pechou. 

— E o que é isso? 

— Gaúcho... Quer dizer, Rodrigo: explique para a classe o que aconteceu. 

— Nós vinha... 

— Nós vínhamos. 

— Nós vínhamos de auto, o pai não viu a sinaleira fechada, passou no vermelho e deu uma pechada noutro auto. 

A professora varreu a classe com seu sorriso. Estava claro o que acontecera? Ao mesmo tempo, procurava uma tradução para o relato do gaúcho. Não podia admitir que não o entendera. Não com o gordo Jorge rindo daquele jeito. 

“Sinaleira”, obviamente, era sinal, semáforo. “Auto” era automóvel, carro. Mas “pechar” o que era? Bater, claro. Mas de onde viera aquela estranha palavra? Só muitos dias depois a professora descobriu que “pechar” vinha do espanhol e queria dizer bater com o peito, e até lá teve que se esforçar para convencer o gordo Jorge de que era mesmo brasileiro o que falava o novato. Que já ganhara outro apelido: Pechada. 

— Aí, Pechada! 

— Fala, Pechada!
Crônica de Luis Fernando Verissimo, ilustrada por Santiago


Encontrada pela colega Veronica. Leitura feita pelas colegas e amigas: Joceli, Aline, Elizete e Lucimara. Gostamos e decidimos socializar o texto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário